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Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 2, Volume set., Série 05/09, 2011, p.01-04.
Marilena
Chauí chamou de “atitude filosófica” a não aceitação de certezas e
crenças estabelecidas, isto porque seria papel da filosofia buscar a
verdade.
No
entanto, a grande questão é: será possível atingir a verdade em uma
sociedade globalizada, dominada por uma grande quantidade de
informações, muitas das quais servem aos interesses do sistema
capitalista.
Além do fato que a própria definição de verdade comporta múltiplos conceitos.
Entretanto,
a busca pela verdade passa necessariamente pelo combate contra o
dogmatismo, a crença de que o mundo é tal como observado e percebido
inicialmente, sem possibilidade de contestação.
Neste
sentido, a atitude dogmática é conservadora, evita novidades e
modificações, enraizando-se em crenças e opiniões, o que conduz, muitas
vezes, ao fanatismo.
A concepção de verdade.
A
nossa ideia contemporânea de verdade foi construída ao longo de
séculos, desde a antiguidade, misturando a concepção grega, latina e
hebraica.
Em
grego, a verdade (aletheia) significa aquilo que não está oculto, o não
escondido, manifestando-se aos olhos e ao espírito, tal como é, ficando
evidente à razão.
Em latim, a verdade (veritas) é aquilo que pode ser demonstrado com precisão, referindo-se ao rigor e a exatidão.
Assim, a verdade depende da veracidade, da memória e dos detalhes.
Em
hebraico, a verdade (emunah) significa confiança, é a esperança de que
aquilo que é será revelado, irá aparecer por intervenção divina.
Em outras palavras, a verdade é convencionada pelo grupo que possui crenças em comum.
A
união destes conceitos fez com que Tomás de Aquino terminasse definindo
a verdade como expressão da realidade, a concepção em voga entre nós no
senso comum até hoje.
A verdade filosófica.
Em
filosofia, uma designação tradicional de verdade diria que é aquilo que
permanece inalterável a quaisquer contingências, um conceito que não
está em concordância com o senso comum e que trás um problema.
O
conceito tradicional de verdade, do ponto de vista do senso comum e da
filosofia, contraria o objetivo da filosofia, uma busca pelo que está
oculto por trás das aparências, tornando a verdade relativa e
provisória.
Em
outras palavras, a verdade espelha aquilo que é, o problema é encontrar
a essência do que as coisas são, adquirir a certeza incontestável sobre
algo, o que geraria uma atitude dogmática.
O
grande problema é que a verdade não possui um significado único,
tampouco estático e definitivo, sendo influenciada por inúmeros fatores.
Destarte, a construção de um sistema filosófico configura uma verdade dogmática que se contrapõem a outras verdades dogmáticas.
Neste
sentido, em filosofia existem várias verdades, todas possíveis desde
que exista a ausência de contradições, já que somente elementos que se
anulam mutuamente poderiam invalidar a verdade.
Na filosofia e nas Ciências Humanas paradigmas coexistem e não se anulam.
Leibniz, Kant e Husserl.
A
concepção de verdade foi objeto de estudo de diversos pensadores ao
longo da história da filosofia, mas três particularmente exerceram forte
influência: Leibniz, Kant e Husserl.
Para Leibniz seria necessário distinguir dois tipos de verdade: de um lado as verdades de razão e de outro as verdades de fato.
As
verdades de razão enunciam que uma coisa é, necessariamente e
universalmente, não podendo ser diferente do que é, tal como as idéias
matemáticas, sendo inatas.
As
verdades de fato, ao contrário, são aquelas que dependem da
experiência, expressando idéias obtidas através das sensações, percepção
e memória, sendo, portanto, empíricas.
A relação entre verdades de razão e de fato, julgadas pela racionalização das informações, permite conhecer a realidade.
Já
para Kant, a verdade surge a partir da relação entre juízos analíticos e
sintéticos, expressando o primeiro operações intelectuais e o segundo
as estruturas ou fenômenos analisados.
Em outras palavras, a realidade que conhecemos não corresponde aquilo que é, mas sim ao que a razão interpreta.
Partindo
do mesmo principio, Husserl criou a fenomenologia, uma ramo da
filosofia que estuda a leitura dos fenômenos pela razão, já que a
realidade seria relativa e subordinada à manifestação para consciência.
O entendimento sofreria influencia dos sentidos e da razão, além dos conhecimentos previamente presentes na mente e do contexto.
Concluindo.
A
teoria do conhecimento, através da epistemologia (ciência que estuda o
discurso), mesclada a discussão em torno do conceito de verdade, a
partir do racionalismo, do empirismo e do criticismo; fundou posturas
que influenciaram a construção da ciência e atitudes, maneiras de
enxergar o mundo e agir.
A
maneira de lidar com informações e tomar decisões, considerando
especialmente os critérios para solucionar problemas, acabaram sendo
influenciados por três tendências que dizem respeito à forma de conhecer
e encarar a verdade:
1.
Dogmatismo: Baseado no racionalismo de Descartes, afirma que o
conhecimento adquirido é seguro e universal, alguns inclusive inatos,
conferindo certeza absoluta às decisões.
2.
Ceticismo: Oposta ao dogmatismo, originado a partir do empirismo,
afirma que o verdadeiro conhecimento é fornecido pelos sentidos e pela
experiência, sendo impossível construir uma verdade segura; portanto
toda decisão é provisória e sujeita a constantes reajustes.
3.
Relativismo: Atitude filosófica originada a partir do criticismo
kantiano, a qual defende a idéia de que cada indivíduo possui uma
verdade, um ponto de vista e uma perspectiva, para qual as decisões só
podem ser tomadas em conjunto, analisando os diversos ângulos e pontos
de vista.
Chegar
à verdade pode ser mais complexo do que aparente, talvez mesmo
impossível dentro da limitada capacidade humana de racionalização.
Porém, o interessante é o caminho percorrido em busca da verdade, uma luz que pode iluminar novas tentativas.
Para saber mais sobre o assunto.
CHAUÍ, Marilena. Convite a filosofia. São Paulo: Ática, 1994.
GOLDSCHMIDT, Victor. “Tempo histórico e tempo lógico na interpretação dos sistemas filosóficos” In: GOLDSCHMIDT, V. A religião de Platão. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1968, p.139-147.
Texto: Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em História Social pela FFLCH/USP.
Bacharel e Licenciado em Filosofia pela USP.
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